terça-feira, 4 de junho de 2013

Poema de Cesário Verde - Eu, que sou feio...



Eu, que sou feio...

Eu, que sou feio, sólido, leal,

A ti, que és bela, frágil, assustada,

Quero  estimar-te, sempre, recatada

Numa existência honesta, de cristal.



Sentado à mesa dum café devasso.

Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.

Nesta Babel tão velha e corruptora,

Tive tenções de oferecer-te o braço.



E, quando socorreste um miserável,

Eu que bebia cálices de absinto,



Mandei ir a garrafa, porque sinto

Que me tornas prestante, bom, saudável.

 

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;

E pus-me a olhar, vexado e suspirando,

O teu corpo que pulsa, alegre e brando,

Na frescura dos linhos matinais.



Via-te pela porta envidraçada;

E invejava, - talvez não o suspeites!-

Esse vestido simples, sem enfeites,

Nessa cintura tenra, imaculada.



Ia passando, a quatro, o patriarca.

Triste eu saí. Doía-me a cabeça.

Uma turba ruidosa, negra, espessa,


Voltava das exéquias dum monarca.



Adorável! Tu muito natural,

Seguias a pensar no teu bordado;

Avultava, num largo arborizado,

Uma estátua de rei num  pedestal.



                         Cesário Verde